domingo, 27 de julho de 2014

FASCINANTE MÚSICA


Desequilibro-me luxurioso
aos fios bruxuleantes de teus pelos,
maviosos.
Arquejo brados solitários
à penumbra arterial de apelos,
de um saco embrionário.
Sangram as vísceras em cada canto
à incrível falta estonteante,
do seu estonteante ébrio encanto.
Mas preenche a música...
fantasma de afago necrófilo,
preenchem-me as notas
de uma guitarra escarlate de sorte,
vem quebrando as portas,
vem me trazendo a morte.


                                                                       Yuri Hícaro





quarta-feira, 23 de julho de 2014

OREMOS PELA ANTIPARTÍCULA

Sergio Brandão
O êxodo de crianças imigrantes,
garotas sequestradas na Nigéria;
a Russia mais fria do que antes
anuncia a mais nova miséria.

Parece que o inferno de Dante
e o quase-enigma da antimatéria
estão em conferência muito séria
sobre o que nos vem lá adiante.

Em vossas orações, queridos,
lembrem-se dos supracitados,
dos mortos, dos vivos e dos feridos.

Sei que devem estar mui ocupados,
mas, façamos esses pedidos
e todos seremos mais abençoados.


                                                                       Sergio Brandão


 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

WALT WHITMAN

Whitman
E sei que sou imortal,
sei que minha órbita não pode ser medida pelo compasso do carpinteiro,
sei que não apagarei como espirais de luz que crianças fazem à noite
com graveto aceso.

Sei que sou sublime,
não torturo meu espírito para que se justifique ou seja compreendido,
vejo que a leis elementares nunca se desculpam,
percebo que não ajo com orgulho mais elevado que o nível onde planto
minha casa, afinal.

Existo como sou, isso me basta,
se ninguém mais no mundo está ciente, fico contente,
e se cada um e todos estão cientes, fico contente.

Meu pedestal é encaixado e entalhado em granito.
Dou risada do que você chama de decomposição,
sei da amplidão do tempo.

Sou poeta do corpo,
e sou o poeta da alma.


                                                                       Walt Whitman

domingo, 13 de julho de 2014

INVERNAL

Poeta Potiguar
Agreste
verdume
de encher os olhos
na serra
verde em matizes
da cor mais ver-te
que vestistes.


                                                               Plínio Sanderson Saldanha


sábado, 12 de julho de 2014

LIRA VIII


Poeta Inconfidente
Marília, de que te queixas?
De que te roube Dirceu
o sincero coração?
Não te deu também o seu ?
E tu, Marília, primeiro
não lhe lançaste o grilhão?
                 Todos amam: só Marília
                 desta lei da natureza
                 queria ter isenção?

Em torno das castas pombas,
não rulam ternos pombinhos?
E rulam, Marília, em vão ?
Não se afagam c'os biquinhos?
E a provas de mais ternura
não os arrasta a paixão?
                 Todos amam: só Marília
                 desta lei da natureza
                 queria ter isenção?

Já viste, minha Marília,
avezinhas que não façam
os seus ninhos no verão?
Aquelas com quem se enlaçam,
não vão cantar-lhes defronte
do mole pouso em que estão?
                 Todos amam: só Marília
                 desta lei da natureza
                 queria ter isenção?

Se os peixes, Marília, geram
os bravos mares e rios,
tudo efeitos de amor são.
Amam os brutos ímpios,
a serpente venenosa,
a onça, o tigre, o leão.
                 Todos amam: só Marília
                 desta lei da natureza
                 queria ter isenção?

As grandes deusas do céu
sentem a seta tirana
da amorosa inclinação.
Diana, com ser Diana,
não se abrasa, não suspira
pelo amor de Endimião?
                 Todos amam: só Marília
                 desta lei da natureza
                 queria ter isenção?

Desiste, Marília bela,
de uma queixa sustentada
só na altiva opinião.
Esta chama é inspirada
pelo céu, pois nela assenta
a nossa conservação.
                 Todos amam: só Marília
                 desta lei da natureza
                 queria ter isenção?



                                                       Tomás Antônio Gonzaga







quarta-feira, 9 de julho de 2014

ASSOMBROS

Affonso Romano de Sant'anna
Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

                                                       Affonso Romano de Sant'anna



quinta-feira, 3 de julho de 2014

RECOLHIMENTO



1

Não.
Não permitam que te esqueçam.
Por um só instante
tente a lucidez perpétua,
a luz e o caminho evidente.
Que não te consuma
a química,
pereça às leis da física;
naturais.
Deslize à fluidez do tédio,
que não se desfaz.

2

Sim.
Seja autonomia.
Por um só instante
seja a cegueira sorumbática,
a inócua tragédia emblemática.
Que se perca e se drogue
à luz da quimera,
despose a plebeia;
madrigais.
Construa a devassa novidade
e seja a alegoria dos corais.


                                                                          Yuri Hícaro