quinta-feira, 27 de março de 2014

CENAS CARIOCAS




Em Copacabana,
Drummond,
em bronze,
contempla o vasto mundo,
e não é pedra no caminho de ninguém.

Cada garota
que passa
na Ipanema
de Tom e Vinicius,
um tanto de graça e beleza repassa.

Sobre os acordes de Noel,
um médico
e um turista
discutem em Vila Isabel.

No centenário Bar Luís,
um boêmio cantarola,
bate palmas e pede bis.

Em um sábado musical,
ao canecão fui arrastado
pela "paz" de João Donato.

Político e imortal,
no Glória - suíte presidencial -,
rende-se à poesia de H. Dobal.

Crônicas machadianas
brotam do Cosme Velho,
deslizam por mesas do Amarelinho e da Colombo,
cruzam o Aterro do Flamengo e,
suavemente, submergem
na Baía da Guanabara.

                                   David de Medeiros Leite

quinta-feira, 20 de março de 2014

EU ME SINTO



Jovem Poeta Natalense
        

me sinto.
titubeio
no escuro
à procura de meu próprio cheiro.

meu hímen é uma camada fina de vidro
e o mundo todo é habitado por
vândalos black blocs

não me importo com o gosto...
da saliva. quero saliva.
não me importo com o gosto
do gozo. quero gozo.
não me importo com o gosto
da urina. quero urina.
não me importo com o gosto
do morango radioativo. quero morango radioativo.

num instante qualquer eu quero tudo
não me importo.
quero instantes sempre presentes
como flashes.

quero:

quero o mundo todo numa grande colher de sopa
que é enfiada
pouco a pouco, mas sem cautela
dentro do meu corpo.



                                                        Regina Azevedo







terça-feira, 18 de março de 2014

CANÇÃO

 

Poeta Mineiro

Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.


                                      Emílio Moura




domingo, 16 de março de 2014

FAROL


Yuri Hícaro



O farol
do pôr do sol
sangra suas cores no Potengi,
é água
que desaba
nos sonhos da Ribeira
(formam a tela,
singela e derradeira, de Natal por inteira).

                                                                   Yuri Hícaro


segunda-feira, 10 de março de 2014

CONTAGEM REGRESSIVA

Carlos Gildemar Pontes




Vou-me embora para mim.
Estou cansado.
Vou cabisbaixo, sem a viola no saco....
Só vejo o barro vermelho da dor.
Saio de cena
como quem tenta salvar
desesperadamente o por do sol.
A noite pode ser longa, fria e sem sentido.
Move-me a poesia, combalida, arrastando
o verbo para a dor.
Sôfrega, minha alma clama!
Amor, chama que a tempestade quase apagou.
Amor, chama que arde dentro de mim!


                                                               Carlos Gildemar Pontes


sábado, 8 de março de 2014

TRINDADE - PALAVRA



Ikaro Maxx
(Para Priscila Merizzio)

Tirei lírios de mim hoje bati a porta para velhos nauseabundos sentimentos engarrafados sob as unhas ríspidas do cemitério da vaidade
Apagaram as claves da frente da partitura dos assaltos & agora os flagelos borbulham um atonalismo de arrepiar
Em algum lugar do mundo uma flor-de-lótus surge como uma criança orando em meio a lama
Afundaram os pássaros & a sede de aventura na monotonia embargada da cerveja
Os relógios apressam a Morte & a civilização tosse lapidando a mais nova guerra & a mais nova moda em nome da distração
enquanto soube de tudo isso vi sinos caírem, nuvens tropeçarem, rios coaxarem sob as pirâmides dos olhos das crianças uma abominável mitificação da orgia a neura & a labuta perderem seus ossos entre as roupas rotas das fadas & as fardas dos divórcios
O matadouro & o cio como chaves do coma
O amor barganha as pílulas para a manutenção do bem-estar ignorante O amor é uma trapaça que me venceu O amor é um cão raivoso que me mordeu o peito & roubou meus ossos ("Quero saber quem é que ama nessa porra...")
Derrotei o meu espírito num enclave de cruzamentos nervosos telepatia híbrida paixão herbácea fincando suas garras de krokodyl em minhas sístoles
O pavimento das ereções douradas explode em carnavalescas reviravoltas dentro do palácio do meu ser
Não cabem guaridas em meu atômico peito todo o castanho esforço me leva a soterrar a imaginação embrionária dos novos planetas.
Em minha retina há sinfonias arranhadas, discos que ganem suor & transas mesclas exóticas de humor urtigas apressadas para o casamento da mentira com a verdade
Deformei a mim mesmo até atingir a monstruosa perfeição
Arco-íris de saliva guerra de placenta transformada na ante-sala do Dilúvio
Uivos de jaleco a deteriorar perante uma plateia que aplaude a exibição do Grande Nihil
Antes que se fossem os desafetos dos mendigos as larvas das vozes dependuradas nas alabastros sedosos Eu formigava uma paleontologia da submissão
A monstruosa desarmonia dos planos de concretização do dinheiro rouba os terrenos baldios onde estavam plantados nosso vadio sonhar
Quero me atirar nos lábios da próxima mulher bonita que queira queimar momentos comigo
arranquei dos campos de farpas do cérebro todas as sementes malsãs
Festejei secretamente que as bonecas implodissem seus diafragmas em risadas nervosas em rituais tão infantis quanto o beijo infame da antimatéria
Passearam por mim todos os espantos zombarias moleculares tristezas inéditas & até um ócio sem freios
Caiu a máscara do circo enciumado enquanto com as mãos sujas de sangue as baratas riam
Não quero cortejar o alento da nova manhã apodrecida Nem desfilar na mumificação da alegria
sonhei isso para preservar a minha pureza & guardar meu rosto no gesso da deformidade do tempo
A noite gera frutos cruéis & incertezas além-oceano
Faróis se deitam na dobra dos mares
Os dedos das montanhas nos acusam pequenos pensamentos
Liquefeito na fúria do miocárdio eu contemplo os jardins de minha sombra & aceno para a tonelada de eletricidade que abandono
Meu completo descaso acende por inteiro a saída por trás da balbúrdia humana (não há out-doors para onde eu vou)
A memória se tornará o fio da faca o papiro em branco a máquina formatada a queda de todas as coisas Atirarei facas no Infinito


                                        Ikaro Maxx

quinta-feira, 6 de março de 2014

ESSA NÊGA FULÔ



Arturo Gouveia



Sempre que por mim passas, ó ninfeta,
em janelas de sonhos me debruço...
Tremo, coro, me engasgo, babo, tusso:
É teu corpo me enchendo de muleta.

Aguço o pulso cheio de soluço
e te dedico esplêndida punheta.
Deslizo e bailo a língua na buceta
com a fineza de um dançarino russo.

Enquanto com conceitos sofrem os sábios,
eu já me imortalizo com teus lábios
que deixam minha pomba despelada.

Na velhice, que a mente desarranja,
quando teu cu embranquecer a franja,
sempre me lembrarei dessa trepada.

                                                                     Arturo Gouveia



quarta-feira, 5 de março de 2014

MULHER FENOMENAL






As belas mulheres desejam saber de onde vem meu segredo
não sou bonitinha nem desenhada para o tamanho de um modelo
mas quando começo a dize-las,
elas pensam que estou mentindo.
Digo,
é o alcance dos meus braços,
a curva da minha cintura,
a largura de meus passos,
os meus lábios pendurados.
Sou uma mulher
fenomenalmente,
uma mulher fenomenal,
eu sou.

Ando em uma sala
tranquila ao seu gosto,
quanto ao de um homem,
aos companheiros de pé ou
aqueles que se ajoelham.
Todos ele me cercam
como abelhas em uma colmeia.
Digo,
é fogo em meus olhos,
e o brilho de meus sorrisos,
e o gingado de minha cintura,
e a alegria de meus pés.
Sou uma mulher,
fenomenalmente.
Uma mulher fenomenal,
eu sou.

Os próprios homens imaginam
o que vêem em mim.
Eles tentam tanto
embora não possam tocar
meu mistério interior.
Quando tento mostrá-los
eles dizem que ainda não conseguem ver.
Digo,
é a curvatura das minhas costas,
o sol de meu sorriso,
as curvas de meus seios,
a graça de meu jeito.
Sou uma mulher,
fenomenalmente.
Uma mulher fenomenal.
Eu sou.


                                                Maya Angelou