sábado, 30 de agosto de 2014

MARCAÇÃO

Poeta Baiano 


Um matuto sem eira nem beira,
labutando com palavras,
vaquejando boiadas de signos
por caatingas labirínticas
numa peleja sem fim.

Invoca o gado invisível
numa toada aflita,
e grafa com pena e tinta
aquilo que a poesia marca,
a ferro e fogo, em sua alma.


                                                                    José Inácio Vieira de Melo



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

PARA TI

Mia Couto
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos

Simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida


                                                                               Mia Couto

  


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

MANUAL DE AFOGAMENTO

Priscilla Rosa
À margem de um cais
diminuída a violência das ondas
feita a facilidade:

meus olhos
encheram-se
de sal

não impedi transbordamentos
nem permaneci
tentando morrer para evitar
o curso das águas.

                                                                              Priscilla Rosa





domingo, 17 de agosto de 2014

POEMA DE SANGUE

Yuri Hícaro
Pendulando ao vento,
em nível pleno e próspero
de consciência,
sigo prostrado
sob o curso do rio.
Minha casa
é o lar dos perdidos,
o lar dos deslocados, onde Cérberos
regurgita sua virgília
no relinchar assombroso
de novos
dias...

Cores fúnebres que se misturam n'alvorada.

                                                                              Yuri Hícaro



domingo, 10 de agosto de 2014

MEDO E O MACACO

William S. Burroughs

Coceira irritante e o perfume da morte
no sussurrante vento sul
Cheiro de abismo e nada
o Anjo Vil dos vagabundos uiva pelo apartamento
como um sono cheirando a doença
Sonho matutino de um macaco perdido
Nascido e sufocado por velhas fantasias
Com pétala de rosa em frascos fechados
Medo e o macaco
Gosto amargo de fruta verde ao amanhecer
O ar lácteo e picante da brisa marinha
Carne branca denuncia
teus jeans tão desbotados
Perna sobre sombra do mar
Luz da manhã
no néon celeste de um armazém
No cheiro do vinho barato no bairro dos marujos
Na fonte soluçante do patio da polícia
Na estátua de pedra embolorada
No molequinho assobiando para vira latas.
Vagabundos agarram suas casas imaginárias
Um trem perdido apita vago e abafado
No apartamento noite gosto d'água
Luz da manhã em carne láctea
Coceiras irritante mão fantasma
triste como a morte dos macacos
Teu pai uma estrela cadente
Osso de cristal no ar fino
Céu noturno
dispersão e vazio.


                                                                         William S. Burroughs




sábado, 9 de agosto de 2014

AMAVISSE

Hilda Hilst

Como se te perdesse, assim te quero
como se não te visse (favas douradas
sob um amarelo) assim te apreendo brusco
inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
a mim me fotografo nuns portões de ferro
ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
no dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
ou contornando um círculo de águas
removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.


                                                                   Hilda Hilst  




SINA

Poeta Areia Branquense 

Deixa-me
seguir minha sina
        - de poeta
E, permita-me,
escrever-te, sem demora,
em seu corpo - meu melhor poema.

                                                                          Luiz Luz
                                                                 Pirata e Dono da Lua


domingo, 3 de agosto de 2014

RENAN LACERDA

Poeta Pauferrense
Não há interesso sentido
muito menos ilusões a buscar
Mais os dias que se estreitam
nunca se tornaram mais longos
Permaneceram no óbito.

E aquele silêncio
de pertinência
com muito calor
ancorado em meio a pele, entre seus seios
era o pingo desolado
sublimado de algum sentimento.

E as cordas que pendiam aquele sentido
se enterraram em terras profundas
se escondendo dos artifícios moldados
que o dia encantou qualquer pensamento comum.


                                                                        Renan Lacerda


TONS SOMBRIOS

Poeta Potiguar
Minha loucura passa
por tantas metamorfoses
que me sinto incapaz de a definir.

Deveria ser qualquer coisa
menos o riso travesso das naturezas-mortas,
que perpassando um vento agreste
sujeita nomeadamente às açucenas, em flor,
à violentas deformações
mesmo que o tempo tente esconder as cicatrizes.


                                                                 José Lima Dias Júnior