quarta-feira, 3 de junho de 2015

MUSA PARALÍTICA

Magela Cantalice

Nasci para cantar as coisas tristes,
para falar dos filhos rejeitados,
das pessoas sem casa nem sustento
que não têm um tostão para comprar
um metro, ao menos, de madapolão...

Eu canto a dor das massas proletárias
que gemem sob o guante dos burgueses...
Eu canto a dor dos choros sufocados,
canto a mísera sorte dos vencidos
e as ruínas desertas de Hyroshima!

Meu canto é o canto dos desventurados...

Eu sou aquele que ficou sentado
à porta das igrejas, mendigando...
Eu sou aquele que nasceu sem vista
e se meteu num beco sem saída.

Eu sou aquele que não teve amor!
Eu fui o pobre que morreu de fome,
depois de andar a pé léguas e léguas
atrás de um coração compadecido.

Eu canto a angústia atroz dos oprimidos...
Eu canto a solidão dos prisioneiros,
eu canto a indignação dos revoltados
e os grandes idealistas fracassados
e a tristeza abafada dos hospícios
e as misérias físicas da carne...

Eu canto a dor dos partos infelizes
e a negação dos ventres infecundos.

- Quem quer me revelar as suas mágoas? ...

Eu sou o homem que levou a vida
no desconsolo de ser aleijado...
Eu sou o poeta que morreu tossindo,
sob o vergão da vil tuberculose.

Eu sou aquele que dormiu no chão,
sob a marquise dos arranha-céus,
coberto por três folhas de jornal...

Nasci para cantar as coisas tristes.

A musa que me inspira anda de preto
e manca de uma perna: é paralítica!


                                                                         Magela Cantalice






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