terça-feira, 16 de agosto de 2011

AMAR







Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade

6 comentários:

  1. Parabéns pelo fomento da febre intermitente da poesia.

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  2. Excelente escolha para postar pra seus leitores meu amigo. Note-se o interessante jogo semântico que o poeta faz dentro do aspecto anti-ético do amor no referido poema, levando esse sentimento, tão comum ao ser humano, a um dualismo, expresso nas entrelinhas do texto. É gratificante ler coisas prazerosoas. Obrigado.

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  3. Essa é só mais uma das verdades sobre o amor. O modo como amamos, por que amamos... Belo poema.

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  4. Drumond retirou "a pedra do meio do caminho" e fez esse impalpável poema... Fantástico!

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