sexta-feira, 20 de junho de 2014

INCLINO-ME


Poeta Português

Inclino-me para a noite.
Para o som inextinguível do silêncio.
Para o fruto melancólico
d'uma luz suave, na doce penumbra
de me saber gente.

Penetro a luz com a boca violada.
Com os dentes rilhados de sol
como uma laranja espremida
no ventre da fantasia, tão ao
gosto d'uma língua circular,
onde tudo roda até ao âmago
das papilas que, enumeram
os poros um a um.

Inclino-me, e alguém me diz:
Vê, como o teu corpo é translúcido
na noite de todas as fábulas.
Como a loucura acede ao teu olhar
de violador de chamas reluzentes.
Ao centro nevrálgico, onde não
podes controlar o espasmo, e
te deixas fluir como um rio sedento
de mar, num abraço de morte desmedida
que paralisa o livre pensamento.
Como um fruto descascado pelo
gume do aço; ao qual só umas mãos
acesas iluminam o sumo derramado.


                                                              Joaquim Monteiro




2 comentários:

  1. O poeta Joaquim Monteiro é um dos expoentes da poesia contemporânea portuguesa. Avante, Ave poesia!

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  2. Um poema erótico muito sutil. Gostei da presença da melancolia no elo inicial na primeira estrofe, sempre presente na cultura portuguesa.

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